O PEI e o Direito à Educação Inclusiva

A educação é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal e por um conjunto robusto de leis infraconstitucionais que reafirmam o dever legal com a inclusão e a equidade no ambiente escolar. Nesse contexto, a elaboração do Plano Educacional Individualizado (PEI) não é apenas uma boa prática pedagógica. Se trata, na verdade, deuma obrigação legal para os casos em que o estudante apresente necessidades específicas de aprendizagem.

Diversas normas do ordenamento jurídico nacional, como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), o Decreto nº 7.611/2011 e a própria Constituição Federal, convergem para assegurar que o sistema educacional se adapte às condições e singularidades dos alunos, e não o contrário. Em complemento, a Nota Técnica nº 04/2021/MEC reforça que a elaboração do PEI deve ocorrer sempre que for identificada a necessidade pedagógica, independentemente da existência de laudo médico ou diagnóstico clínico.

A obrigatoriedade do PEI está, portanto, fundamentada no dever da escola de oferecer atendimento educacional adequado e individualizado, assegurando a participação plena e o desenvolvimento do estudante em igualdade de condições com os demais. Trata-se de garantir não apenas o acesso à escola, mas a permanência e o aprendizado com qualidade, conforme os princípios da educação inclusiva que norteiam a legislação brasileira.

Desse modo, o PEI se consolida como uma ferramenta essencial para assegurar o desenvolvimento pleno de estudantes com necessidades específicas de aprendizagem. Ainda assim, muitas instituições vinculam sua elaboração à apresentação de um diagnóstico clínico ou laudo médico. Essa exigência, no entanto, não possui respaldo legal.

A lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência (Lei n.13.146/2015)

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), ao tratar do direito à educação, estabelece um olhar sensível e comprometido com a singularidade de cada estudante. Embora o texto legal não mencione diretamente o Plano Educacional Individualizado, é possível inferir sua obrigatoriedade a partir dos princípios e dispositivos que compõem a norma, especialmente os que tratam da eliminação de barreiras, do fornecimento de apoio adequado e da personalização do ensino.

O artigo 28 da LBI dispõe que é dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar à pessoa com deficiência educação de qualidade, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, considerando sua singularidade. Este mesmo artigo, no inciso II, determina a necessidade de adoção de medidas individualizadas e coletivas de apoio pedagógico, conforme as necessidades específicas dos estudantes. Trata-se, portanto, de uma base legal que obriga a instituição de ensino a planejar, acompanhar e intervir de maneira direcionada para garantir o acesso, a permanência e o sucesso escolar.

A elaboração de um PEI nada mais é do que a concretização pedagógica dessas medidas individualizadas exigidas pela lei. Por meio dele, é possível definir metas específicas, propor estratégias adequadas ao perfil do estudante, acompanhar sua evolução e reavaliar continuamente as práticas, respeitando as limitações que apresenta, mas também potencializando as habilidades que possui.

Outro ponto essencial da LBI é o que trata da remoção de barreiras. O artigo 3º, inciso IV, define como “barreiras” qualquer entrave, obstáculo ou atitude que limite ou impeça a participação da pessoa com deficiência em igualdade de condições com as demais. Entre elas, estão as barreiras pedagógicas. Ou seja, se o estudante não consegue acompanhar a proposta pedagógica regular, é dever da escola modificar a abordagem, ajustar o ensino e criar alternativas para garantir o direito de aprender, e isso se operacionaliza por meio do PEI.

Além disso, o artigo 28, inciso V, reforça a obrigação da escola de promover a formação de professores para o atendimento das necessidades educacionais específicas, o que mostra que a legislação entende essas adaptações como parte intrínseca do fazer pedagógico, e não como exceções dependentes de laudo médico.

Por fim, o artigo 27 da LBI reconhece que a pessoa com deficiência tem direito à educação ao longo da vida, visando seu pleno desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Isso inclui garantir que cada etapa de sua trajetória escolar seja acompanhada por instrumentos pedagógicos que assegurem que ela de fato aprenda, e o PEI é a ferramenta que viabiliza esse acompanhamento de forma sistemática, organizada e com metas claras.

Assim, ainda que a LBI não cite o PEI literalmente, é impossível cumprir seus dispositivos e garantir o direito à educação inclusiva e equitativa sem um planejamento individualizado como o que o PEI proporciona. Trata-se, portanto, de um instrumento essencial e legalmente exigido sempre que o estudante necessitar de acompanhamento específico, independentemente da existência ou não de diagnóstico médico formal.

Nota Técnica n.04/2021/MEC

A Nota Técnica nº 04/2021/MEC, emitida pela Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (SEMESP/MEC), trata especificamente da elaboração de PEI e reforça que:

“A elaboração do PEI está atrelada às necessidades educacionais específicas do estudante, e não à apresentação de diagnóstico clínico.”

Essa orientação técnica deixa claro que o foco da escola deve ser a funcionalidade do estudante no processo de aprendizagem, e que a avaliação pedagógica é suficiente para embasar o desenvolvimento de um PEI.

Além disso, a nota reforça o compromisso da educação brasileira com os princípios da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com status constitucional.

Lei de diretrizes de bases da educação nacional (Lei n. 9.394/1996)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), principal norma que estrutura o sistema educacional brasileiro, estabelece um conjunto de princípios que asseguram a educação como um direito de todos, fundamentada na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, no respeito à diversidade e na garantia de aprendizagem para todos os estudantes.

Embora a LDB também não mencione expressamente o Plano Educacional Individualizado, a interpretação sistêmica de seus dispositivos demonstra que sua elaboração é obrigatória sempre que necessária para garantir a aprendizagem de um aluno com necessidades específicas.

O artigo 4º, inciso III da LDB é claro ao assegurar como dever do Estado o “atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino”. A presença do termo “transtornos globais do desenvolvimento” já amplia o escopo da educação inclusiva para além da deficiência formalmente diagnosticada, e o uso da palavra “transversal” mostra que essas adaptações devem estar integradas em todas as práticas pedagógicas.

Mais adiante, o artigo 58, §1º estabelece que haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. Aqui, a expressão “quando necessário” indica que a própria escola, com base na avaliação de suas equipes pedagógicas, tem autonomia e dever para identificar a necessidade de medidas individualizadas, como a criação de um PEI. Ou seja, não se exige um laudo médico como gatilho, e sim a constatação da necessidade educacional do estudante.

A LDB também reconhece, em seu artigo 12, inciso V, a responsabilidade das instituições de ensino de “assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabelecidos, bem como a efetiva aprendizagem dos alunos”. Isso reforça que o foco da escola deve estar não apenas na frequência, mas na garantia do direito de aprender, o que muitas vezes só é possível por meio de um planejamento individualizado, adaptado às condições de cada estudante.

Além disso, o artigo 13, incisos I a III, dispõe que os docentes devem participar da elaboração da proposta pedagógica da escola, elaborar e cumprir plano de trabalho conforme a proposta e zelar pela aprendizagem dos alunos. Essa responsabilidade exige planejamento contínuo, definição de metas específicas e estratégias de acompanhamento individualizado, características centrais de um PEI.

Portanto, à luz da LDB, a construção de um Plano Educacional Individualizado não é um ato discricionário ou opcional, mas uma exigência legal e pedagógica sempre que o estudante, por qualquer motivo, não estiver se beneficiando plenamente das estratégias de ensino regulares. O PEI é a resposta prática e planejada a essa obrigação legal, pois permite que a escola estabeleça metas claras, acompanhe o progresso do aluno, avalie continuamente seu desempenho e respeite sua individualidade, suas limitações e, sobretudo, valorize suas potencialidades.

Assim, o compromisso da LDB com uma educação democrática, inclusiva e de qualidade passa necessariamente pela personalização do ensino quando esta for a condição para garantir que o estudante permaneça, participe e aprenda de forma significativa na escola. E nesse cenário, o PEI se torna um instrumento indispensável, respaldado não apenas por boas práticas pedagógicas, mas por mandamentos expressos na legislação educacional brasileira.

O direito ao PEI: Nem sempre com diagnóstico, nem sempre por causa dele

Dando continuidade à reflexão já construída sobre o equívoco de condicionar a elaboração do PEI à apresentação de diagnóstico médico ou laudo clínico, é igualmente necessário reforçar um segundo ponto que costuma gerar dúvidas e práticas equivocadas nas instituições de ensino: o fato de um estudante possuir um diagnóstico, como o de Transtorno do Espectro Autista, por exemplo, não implica, obrigatoriamente, na necessidade de um Plano Educacional Individualizado.

A legislação educacional brasileira, especialmente a LDB e a Lei Brasileira de Inclusão, trata o direito à educação sob a ótica da necessidade pedagógica real do estudante, e não da simples classificação clínica. Em outras palavras, o foco está no impacto funcional da condição sobre o processo de aprendizagem, e não no diagnóstico em si.

Nessa mesma linha, a Nota Técnica nº 04/2021 do MEC é expressa nesse sentido, ao afirmar que a elaboração do PEI deve ser resultado de avaliação pedagógica individualizada, e não simplesmente motivada pela existência de um laudo. Essa avaliação deve observar o desempenho escolar, a necessidade de mediações específicas, os obstáculos enfrentados no ambiente de aprendizagem e o tipo de suporte que o estudante necessita para se desenvolver cognitivamente, emocionalmente e socialmente.

Assim, é perfeitamente possível que um estudante com diagnóstico clínico não precise de um PEI. Por exemplo, uma criança com diagnóstico de autismo nível 1 pode apresentar bom desempenho cognitivo, autonomia social suficiente para participar das atividades escolares regulares e nenhum comprometimento significativo em seu processo de aprendizagem. Nesse caso, o diagnóstico existe, mas não há barreiras pedagógicas que justifiquem um plano individualizado. A oferta de acompanhamento por parte da escola segue ocorrendo, mas dentro do planejamento pedagógico geral da turma, com adaptações mínimas, se necessárias, e sempre que forem úteis, mas sem a formalização de um PEI.

A elaboração de um PEI, quando não necessária, pode inclusive ser contraproducente: gera burocratização indevida, desvia recursos e atenção de outros estudantes que realmente necessitam de acompanhamento sistematizado, e cria uma falsa sensação de que a simples existência do plano resolve todas as questões inclusivas.

Em resumo, pode-se concluir que não é o diagnóstico que determina a necessidade do PEI, mas sim a análise pedagógica da funcionalidade daquele aluno em contexto escolar. Do mesmo modo que a ausência de diagnóstico não impede a elaboração do PEI quando as necessidades são evidentes.

A construção de uma escola verdadeiramente inclusiva passa pela superação de modelos reducionistas e puramente médicos, e pela adoção de uma abordagem centrada no sujeito, em sua singularidade e nos caminhos concretos para promover seu direito de aprender. O PEI é uma ferramenta extremamente útil e necessária, mas só quando usado com critério, embasamento pedagógico e fundamento técnico.

O parecer CNE/CP n. 50/2023 e sua contribuição para a compreensão do PEI

O Parecer nº 50/2023, emitido pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação, representa um marco importante no debate sobre a educação inclusiva no Brasil. Embora esse tipo de parecer, por natureza jurídica, não possua caráter vinculante, ou seja, não cria obrigações legais diretas, ele exerce significativa influência interpretativa e orientadora para as políticas públicas educacionais e as práticas pedagógicas no país.​

No que se refere ao PEI, o Parecer 50/2023 oferece diretrizes fundamentais ao reafirmar que a elaboração desse instrumento deve ser motivada por necessidades pedagógicas específicas, e não pela simples existência ou ausência de diagnóstico clínico. Ele converge com as orientações da Nota Técnica nº 04/2021/MEC e reafirma os princípios já consagrados na LDB, na LBI e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com força constitucional.​

Sua relevância ganhou ainda mais solidez com a homologação pelo Ministério da Educação, formalizada por meio de despacho publicado no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 2024. A homologação confere ao parecer status oficial de orientação nacional, reforçando seu papel como parâmetro técnico e pedagógico para as redes de ensino e instituições escolares. Embora continue sem força de lei, passa a integrar o corpo normativo consultivo do MEC, o que o torna uma referência legítima e autorizada na interpretação e aplicação de políticas inclusivas.​

Além disso, o Parecer 50/2023 destaca o papel ativo das escolas na construção de contextos educacionais inclusivos, enfatizando que o PEI não é um privilégio, mas sim uma necessidade pedagógica quando o estudante encontra barreiras para aprender no currículo comum. Assim, o documento valoriza a autonomia pedagógica das instituições para identificar, planejar e executar estratégias individualizadas de ensino que assegurem o direito à aprendizagem de todos os alunos.​

Portanto, ainda que não seja um instrumento legal obrigatório, o Parecer 50/2023, agora homologado pelo MEC, assume papel central como guia técnico-pedagógico para a efetivação do direito à educação inclusiva. Sua importância reside na construção de uma educação fundamentada em evidências, orientada por princípios de equidade e centrada nas reais necessidades dos estudantes, contribuindo para práticas mais justas, eficazes e humanizadas nas escolas brasileiras.

A escola como espaço de responsabilidade pedagógica

O PEI é um instrumento de planejamento e prática pedagógica individualizada e deve ser elaborado com base na observação, avaliação e análise das necessidades reais do aluno.

Exigir laudo médico como pré-requisito para o PEI é limitar o direito à educação inclusiva, o que contraria os princípios constitucionais, a LBI, a LDB e os regulamentos específicos do MEC.

Portanto, é dever das escolas, com respaldo legal, atuar de forma pedagógica e responsiva, adotando medidas que garantam o pleno desenvolvimento de todos os estudantes, conforme suas necessidades e potencialidades.

Referências

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